Portas Abertas • 7 abr 2004
Caleb*, um colega de Portas Abertas, estava feliz em participar de um seminário, que tinha por objetivo o treinamento de educadores teológicos num acampamento de refugiados localizado na zona rural do sul do Sudão.
Em contraste com o sufocante calor e sentimento de passividade, a atmosfera que enchia a igreja feita de barro era visivelmente diferente.
Sentados em círculo, naquela igreja de barro, estavam 25 líderes, envolvidos em uma animada discussão entre si. Eles não estavam, entretanto, ocupados em discutir os problemas da igreja ou da denominação, porém o assunto era como eles poderiam tornar-se melhores professores e transformar as vidas do seu povo.
Aqueles homens cristãos se reuniram com um propósito em mente, apesar de representarem cinco denominações diferentes. Sabe-se que muitos desses servos de Deus eram soldados tirados da guerra civil do sul do Sudão. O sofrimento, a miséria e a luta pela sobrevivência não são conceitos estranhos para eles.
Por causa da contínua guerra, suas oportunidades de educação foram muito limitadas e a maioria deles mal completou a escola primária, porém aqueles homens tinham amor por Deus e pelo povo do sul do Sudão. Com grande custo pessoal eles tentam levar o Evangelho às áreas isoladas e não alcançadas de sua pátria.
Num período de nove anos, Portas Abertas uniu esforços com esses líderes e Caleb* ficou ansioso em compartilhar sua gratificante experiência de provar a doçura de algum fruto espiritual que amadureceu fora de época: A nossa viagem juntos não foi uma estrada sem espinhos e nossos relacionamentos passaram por altos e baixos. Entretanto, os rostos daqueles líderes cristãos são as lembranças mais doces que eu tenho.
Caleb olhou para o círculo de líderes e teve algumas recordações dos nossos irmãos sudaneses: À minha esquerda estava sentado Francis*. As cicatrizes em seu corpo contam uma silenciosa história de várias experiência quase mortais em combate como soldado. Deus, em Sua misericórdia, salvou Francis*, física e espiritualmente, e depois o preparou como instrumento para uso especial.
Caleb relatou que, durante o ano de 2000, ele teve o privilégio de visitar a área onde Francis viveu por treze dias: Havia pouca comida e as pessoas dormiam no mato com medo de ataques pelas forças do governo.
Francis e eu passamos horas andando e visitando pessoas desalojadas. A situação espiritual não era melhor do que a situação física e, os poucos cristãos que visitamos, tinham uma compreensão limitada do Evangelho.
Francis e Josué*, outro colega, começaram a treinar o primeiro grupo de líderes para freqüentar o programa de Treinamento Teológico dirigido por Portas Abertas. Caleb estava lá quando começaram as aulas e ele falou da experiência como chocante, porém abençoada: Por haver uma séria falta de liderança espiritual pelo Sudão, os presentes haviam caído em todos os tipos de pecado e estavam, para dizer a verdade, dando um exemplo muito mau para as pessoas que lideravam.
Josué disse que o programa de Treinamento Teológico começou com uma abordagem diferente: Em vez de começar com a costumeira dissertação, começamos com uma manhã de confissões sinceras, seguida de um momento de oração de arrependimento. Deus deve ter visto a sinceridade nos corações daqueles líderes da igreja, porque Ele os abençoou com renovada esperança e uma inextinguível sede pela Verdade.
Ambiente simples num clima espiritual
Francis e Josué ensinaram os líderes da igreja numa sala de aula com paredes de palha e chão poeirento. Os dois professores semearam as sementes que começaram a crescer. Os estudantes ganharam uma compreensão melhor do Evangelho e todas as áreas de seus benefícios. Cada vez que os estudantes voltavam para casa, depois de concluírem várias semanas de treinamento, eles compartilhavam ansiosamente os conhecimentos recém adquiridos com seu povo. As igrejas locais cresceram em força apesar das contínuas dificuldades.
Fiz uma segunda visita a Francis durante o ano de 2002. A situação física em sua área não melhorou, mas havia uma notável diferença no campo espiritual. A brilhante luz da Estrela da Manhã começou a nascer em muitos corações!, informou Caleb.
Mudando seu olhar de Francis para Jacó*, Caleb sorriu ao lembrar daquela figura esbelta e alta: Jacó é um pacificador e pastor no centro de seu ser. Ele sempre tentava conseguir alguma ajuda para o seu povo, fosse em remédios, roupas ou livros. As necessidades deles estão em seu coração, e ele importuna os que acha serem capazes de ajudar.
Há alguns meses, Caleb teve sua primeira oportunidade para visitar Jacó. Foi no fim da estação seca e o tempo estava extremamente quente. A insegurança na área forçou as pessoas locais a saírem de suas casas, em outras palavras, a fonte de água mais próxima que eles tinham ficava a mais de uma hora de caminhada. Ninguém podia vir aqui sem um motivo no coração que o constrangesse
No começo, a paixão de Jacó por esta área em particular confundiu Caleb. Há alguns anos Jacó teve a oportunidade de ser líder de uma equipe em uma organização missionária com base em Uganda. Ele receberia uma renda regular e outros benefícios tentadores. Depois de passar muito tempo em oração e estudar cuidadosamente a oferta, ele recusou. Jacó preferiu procurar meios de compartilhar o evangelho com seu próprio povo necessitado. Jacó estava convencido de que essa era a vontade de Deus para a sua vida.
Caleb informou que Jacó plantou uma quantidade inumerável de sementes espirituais nos últimos três anos e estão esperando a colheita. Ngor* estava sentado no canto, perto de Jacó. Caleb descreveu Ngor tão quieto como pequeno em estatura: Ngor não parecia o tipo de pessoa que tinha muita influência sobre os outros. Entretanto, quando ele começava a falar sobre o seu povo e da necessidade deles ouvirem a Palavra de Deus, um fogo escondido parecia acender seu semblante.
Portas Abertas mandou alguns itens de ajuda para a área de Ngor durante o ano de 2002 e Caleb teve a oportunidade de ir atrás: Apesar de ter visto lugares bem difíceis antes, fiquei horrorizado pela falta de hospitalidade desta área. Planícies de lama escura rachada se estendia até o horizonte; pessoas altas e magras andavam por elas e a esterilidade circundante parecia ter sido enraizada na alma dos habitantes.
Durante a visita de Caleb à área de Ngor, um amigo sudanês falou a uma multidão de pelo menos cinqüenta pessoas que Cristo é o único caminho para a vida eterna. Caleb relatou que um menino levantou-se e disse que queria aceitar o Deus da Bíblia, mas recusava-se a deixar seus deuses tradicionais. O menino tinha sido convencido de que, quanto mais deuses ele tivesse, melhor seria e pensou que não faria mal acrescentar Jesus à sua lista.
Caleb relatou que foi somente depois dessa visita que ele de fato conheceu Ngor: Ele era estudante do primeiro ano do Curso Avançado de treinamento de Portas Abertas realizado em outra parte do sul do Sudão. Naquela etapa Ngor vivia num acampamento de refugiados no Quênia, mas logo ficou claro que o seu coração estava com seu próprio povo. Ele continuou pedindo uma oportunidade para voltar à sua região natal. As promessas de mandá-lo num futuro próximo não satisfizeram seu coração impaciente de evangelista. Finalmente Josué concordou em dar-lhe uma oportunidade. Ngor juntou o pouco de pertences que tinha e com um amigo e o coração cheio de zelo voltou para começar seu trabalho pioneiro.
Caleb informou que não havia igrejas evangélicas naquela área e que a Igreja Católica Romana não gostou de sua invasão. Entretanto, as autoridades locais foram suscetíveis, devido à ligação de Ngor com Portas Abertas. Eles lembraram da ajuda humanitária que Portas Abertas lhes deu num momento de necessidade e estavam dispostos a aceitar o alimento espiritual que Ngor queria compartilhar com eles.
Durante a discussão sobre como melhorar as técnicas de liderança dos dirigentes da igreja, Ngor contou aos outros 24 líderes cristãos o que Deus havia feito através dele num período de três meses. Sabe-se que Ngor plantou quatro igrejas, apesar de severa oposição dos católicos. Ele precisava de alimentos e lutou para sobreviver nos momentos difíceis, mas nada disso pôde extinguir seu ânimo.
Ngor foi tão zeloso que foi capaz até de compartilhar seus planos para o futuro conosco, tudo apontando para a mesma direção: seu povo. Era claro através dos olhos de Ngor que os obstáculos que ele tinha de superar não se comparavam às bênçãos que queria compartilhar, recordou Caleb.
Caleb lançou um último olhar sobre o grupo e foi tocado pelo fato de que, cada um daqueles homens tinha uma vívida história para contar. O grupo de 25 líderes cristãos sentaram-se juntos durante nove dias e muitas histórias foram compartilhadas. Histórias que tocaram corações e às vezes até provocaram lágrimas.
Diferentes tribos, culturas e origens estavam bordadas numa linda tapeçaria de união em Cristo. Caleb disse que nem um sequer pareceu não ter defeitos: Todos haviam cometido erros no passado e todos, provavelmente, os cometerão no futuro, mas nos separamos com um renovado senso do que Deus pode fazer com vasos de barro que estão disponíveis para o uso do Mestre
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