Portas Abertas • 9 mai 2007
O seguinte relato foi escrito por um repórter da agência de notícias Compass Direct, após visitar o sacerdote iraquiano Douglas Yusuf Al-Bazy, seqüestrado em 19 de novembro de 2006.
É de se estranhar, mas o padre iraquiano Douglas Yusuf Al-Bazy riu e brincou assim que começou a relatar os detalhes da tortura e seqüestro pelos quais passou.
"Não tenho mais medo", disse o padre caldeu. "Depois de ver a morte de perto, você acaba perdendo o medo", disse.
Eu pensava nos padres seqüestrados quando cheguei ao seminário de São Pedro, em Ankawa, uma cidade no norte do Iraque. Eu ainda não sabia se havia sentimentos anticristãos por trás dos seqüestros ou se os cristãos eram meras vítimas de gangues ávidas pelo dinheiro de qualquer um que possua bens.
No Iraque, os relatos de Bagdá e Mosul sobre cobrança de taxas por parte dos muçulmanos, conversão forçada ao islã, seqüestros e vandalismo nas igrejas são quase tão numerosos quanto os lugares à beira da estrada que vendem combustível ilegalmente. E é quase impossível encontrar uma testemunha desses fatos.
"Oi, eu sou o padre Douglas", disse um jovem com uma camisa azul e uma jaqueta cáqui enquanto eu entrava no prédio novo da Faculdade Colégio Babel, 30 minutos antes do horário que tínhamos agendado.
"Padre Douglas Yusuf Al-Bazy?", perguntei. Foi duro conter a emoção na minha voz.
"Sim, eu fiquei famoso?", sorriu o padre que havia sido seqüestrado.
O Seminário São Pedro e a Faculdade Babel - sua extensão leiga - foram forçados a fechar seu campus em Bagdá em dezembro e mudar para Ankawa depois que ocorreram três seqüestros de membros da equipe nos últimos cinco meses.
Em agosto, setembro e dezembro, alguns líderes da igreja subestimaram os seqüestros, como se não fossem mais do que um tipo de esquema para obter dinheiro e atormentar os iraquianos de outras religiões.
As provas parecerem fundamentar essa teoria. Fontes cristãs disseram que, no total, cinco clérigos de Bagdá foram seqüestrados entre julho e dezembro de 2006 e só foram soltos após pagarem o resgate. Além disso, seqüestros de sunitas e xiitas diminuíram o número de raptos a cristãos.
Talvez os padres desaparecidos sejam meras vítimas de gangues que pouco se importam se seus prisioneiros são sunitas, xiitas ou cristãos. Eu esperava que aquele padre caldeu, sentado diante de mim, pudesse me dar algumas pistas sobre a motivação dos seqüestradores.
O seqüestro
Douglas disse que tinha terminado um culto e dirigia na rodovia Al-Kanat, de Bagdá, quando quatro carros o cercaram e o forçaram a abandonar o veículo em que estava. Isso se deu na manhã do domingo de 19 de novembro de 2006.
Os homens dos veículos vendaram os olhos de Douglas sob a mira de suas armas e o colocaram no porta-malas de seu carro. O padre disse que os seqüestradores dirigiram um pouco em círculos antes de o levarem até uma casa no cair da noite.
"Eles ligaram a TV no canal Al-Quran e aumentaram o volume antes de me interrogarem", disse o padre. "Eles não queriam que a vizinhança me escutasse, queriam que eles pensassem que uma boa família muçulmana morava na casa."
O padre caldeu fez caretas ao lembrar como os seqüestradores quebraram seus dentes e joelhos, queimaram seu bigode com ponta de cigarro e usaram alicates nas partes mais sensíveis de seu corpo.
"O mais difícil foi o sexto dia", disse Douglas. "Foi quando eles começaram a martelar todo o meu corpo. Eles colocaram uma pistola descarregada em minha cabeça por mais de 100 vezes e puxaram o gatilho. Minha alma desfalecia continuamente", contou o padre.
Foi só no sexto dia que ele finalmente implorou para que o matassem. Os homens responderam que ele era o primeiro prisioneiro que havia lhes pedido para ser morto.
"Isso é diferente entre a gente", disse o padre aos seqüestradores. "Talvez para você a morte seja um fim, mas para nós é só o começo."
"Pare de falar assim, nós não entendemos o que você quer dizer", responderam os seqüestradores.
Estratégias de sobrevivência
O clérigo disse que exercícios psicológicos, senso de humor e fé em Deus o mantiveram mentalmente forte diante da tortura.
O padre também costumava fazer marcas na parede com a corrente que prendia suas mãos para manter a noção de tempo. Para escapar da tortura mental, ele dividia seus pensamentos e os concentrava em algo que ele estaria fazendo se estivesse seguindo sua rotina normal.
"Eu orei a Deus: Senhor, nem sempre tenho sido fiel a Ti, mas confio em Ti para me salvar, se for esse o seu desejo", disse Douglas. "Mas, por favor, não esqueça de mim", ele ainda pediu em oração.
A parte mais dura do cativeiro foi a falta de água e de comida. Ele disse que começou a ver miragens de seus amigos e membros da família lhe oferecendo água, até recobrar seus sentidos que perceber que eles não eram reais.
"Olhe para você mesmo", disse um dos seqüestradores com repulsa. "Você realmente quer continuar a viver desse modo?"
"Na verdade, eu moro em um seminário. Então, estar aqui é como estar em um passeio", respondeu o padre ao seqüestrador. Naquele momento, dois guardas caíram na gargalhada, enquanto um terceiro batia nele.
O padre contou que, quando os seqüestradores lhe perguntaram de qual grupo ele achava que eles eram, ele soube que sua vida corria risco.
"Sei que, se a situação fosse melhor, todos vocês teriam outros empregos como professores, médicos e advogados", respondeu o padre com cautela. "Mas, por que os tempos são difíceis, vocês foram forçados a trabalhar com a resistência", completou.
O padre disse que sua resposta trouxe à tona as emoções dos seqüestradores. Cada um contou sua história e como tinham sido forçados a fazer seqüestros.
"Foi como uma confissão", disse Douglas. "Mas eu estava amarrado, com os olhos vendados, as mãos atadas nas costas e eles falando comigo sobre o seu sofrimento".
Buscando mais do que o dinheiro
Sentado naquele escritório claro e decorado, era difícil imaginar que Douglas havia passado por aquela experiência. Uma cirurgia reconstrutora na Itália fez maravilhas para cobrir as cicatrizes em seu rosto sorridente.
"Então quem são eles e você acha que eles fizeram isso por quê?", eu perguntava repetidamente.
Os seqüestradores contaram ao padre que alguém bem acima deles lhes fornecia um nome e um preço por uma pessoa a ser seqüestrada. Ela pagava depois de o serviço ser feito.
"Um deles me disse: Eles nos pagam, nos dão casas, carros de polícia, ambulâncias e rádios-transmissores."
Douglas disse acreditar que ele foi escolhido por haver um projeto criado por grupos armados de libertar Bagdá dos intelectuais que poderiam desafiá-los.
"Eles me explicaram que, se quisessem apenas o dinheiro, bastaria seqüestrar duas pessoas para viver confortavelmente", disse o padre, com o rosto sério.
Segundo ele, a maneira mais fácil de atingir centenas de famílias da paróquia São Elias, de Bagdá, foi levar o único padre da igreja - o próprio Douglas. "Se os padres desaparecerem, então a comunidade desaparecerá", disse o padre.
Douglas explicou que os cristãos são alvos por vários motivos, incluindo o fato de que são bem educados, geralmente com dinheiro e sem nenhum grupo armado que os proteja. Segundo o padre, seus raptores aparentemente viam os cristãos e suas crenças como uma ameaça.
"Eles me interrogaram sobre a igreja, sobre as relações entre ela e os curdos, sobre as relações entre o governo e a igreja e sobre o Papa", contou.
"Eu paguei pelas palavras do papa", disse o padre, referindo-se ao polêmico discurso do papa Bento XVI em setembro passado, tido por muitos muçulmanos como ofensivo ao islã.
O caso de Douglas foi o segundo em uma série de raptos a padres em Bagdá. O seqüestro de Saad Sirop foi o primeiro a ter atenção internacional.
Silêncio na zona de guerra
Bashar Warda, deão do Seminário São Pedro, disse que sete igrejas do bairro de Dora foram fechadas desde agosto, ou só fazem cultos uma vez por mês.
Recém-chegado de Dora, Bashar disse que a vizinhança estava silenciosa, mas parecia uma zona de guerra.
O distrito abrigou o conflito mais intenso de Bagdá, entre as tropas norte-americanas, a polícia iraquiana e os militantes sunitas. Nas últimas semanas, grupos islâmicos da área expulsaram famílias cristãs, ameaçando-as de conversão forçada ao islã.
Warda disse que, no fim da tarde, o seminário receberia famílias cristãs expulsas de suas casas em Dora por um tribunal islâmico.
O deão, que viaja regularmente a Bagdá, disse que espera ajudar as famílias cristãs que ainda estão em Bagdá, mesmo que isso signifique mudar das áreas de perigo para locais mais seguros.
"Temos uma função ali, ficar em missão", disse Warda. "Nós somos os únicos a falar sobre reconciliação porque temos a reconciliação dada por Deus."
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