Portas Abertas • 29 dez 2007
Este ano, o Natal mais uma vez foi triste em Acteal. Há dez anos neste lugarejo de Chiapas (sul), uma tragédia deixou o México horrorizado: 45 indígenas tzotziles, em sua maioria mulheres e crianças, foram mortos por grupos paramilitares. Durante horas, eles perpetraram o massacre, utilizando armas de fogo e armas brancas. Contudo, a polícia e o exército, que estavam de prontidão perto dali, não intervieram.
Aquela chacina aconteceu no dia 22 de dezembro de 1997. É difícil acreditar que uma orgia de crueldade desta dimensão pudesse ter ocorrido nessas montanhas banhadas pelo sol, onde as cores predominantes são o verde dos cafezais e aquelas das "huipiles" (vestimentas sagradas) coloridas das mulheres, onde as igrejas miniaturas, lotadas de fiéis ajoelhados, mais se parecem com guloseimas doces colocadas na frente de um presépio.
As vítimas pertenciam a uma organização católica vinculada à diocese de San Cristobal de Las Casas, uma comunidade chamada de as Abelhas. Os assassinos eram os seus vizinhos, e, em certos casos, até mesmo parentes de algumas delas.
Aqueles que confessaram os crimes afirmam que eles queriam vingar a morte, em 17 de dezembro de 1997, de um camponês que era um fiel partidário, assim como eles, do antigo Partido Revolucionário Institucional (PRI), uma agremiação então toda poderosa, tanto em Chiapas quanto na Cidade do México.
Segundo contaram os acusados, tratava-se de uma das 22 pessoas que haviam sido mortas pelos seus adversários zapatistas, no decorrer da escalada de violência que tomou conta do município de Chenalho, em 1996 e 1997, até explodir em Acteal.
Controvérsias
Na opinião de um bom número de mexicanos, este massacre tinha de fato como alvo os zapatistas. Com eles, as autoridades haviam assinado em 1994 um acordo de cessar-fogo, mas elas continuavam empenhadas em combater a sua influência. A intervenção teria sido planejada nas altas esferas do poder, por assessores próximos ao presidente Ernesto Zedillo. As suspeitas foram reforçadas pela revista semanal "Proceso" que revelou, no início de 1998, a existência de um "plano de contra-insurreição" em Chiapas.
É preciso ir a Acteal investigar a área que fica no nível mais baixo da estrada que leva de San Cristobal a Pantelho, para descobrir as características do relevo acidentado que permitiram que a catástrofe acontecesse. Nele, destacam-se dois lances de escadas que conduzem até a esplanada da aldeia - na época, um acampamento de refugiados expulsos pela onda de violência, e atualmente uma comunidade profundamente unida pelo martírio, cuja chama vem sendo mantida pela Igreja.
Tese inédita
Cerca de quinze chalés de madeira estão espalhados em volta da casa de pedra e cimento onde se reúnem os eleitos da comunidade. Estes usam um vestuário diferente, mantendo as suas pernas nuas debaixo de uma ampla camisa branca, e trajando sobre a cabeça um chapéu coberto por extensas fitas multicoloridas.
Uma pequena igreja está sendo construída no topo do morro. Atrás deste promontório fica a capela de madeira, no interior da qual o solo está repleto de agulhas de pinheiro, onde estavam rezando membros das Abelhas quando os atacantes começaram a atirar.
Estes carregaram as suas vítimas até uma depressão do terreno, matando aqueles que ainda estavam vivos. Foi ali que a maior parte dos cadáveres foi encontrada. O menor deles era aquele de um bebê, que havia sido atingido pela mesma bala que matou a mãe.
Sobre as paredes da capela, e até mesmo na estátua de cera da Virgem, cuja manta bordada parece estrelada de sangue, é possível distinguir até hoje os impactos das balas. Alguns sobreviventes recordam-se de terem visto, a partir do seu esconderijo, o cume dos arbustos sendo retalhado por projéteis de grande calibre.
"A polícia havia montado um posto de controle a 500 metros apenas, na escola situada no centro de Acteal, onde vive uma comunidade zapatista. Os guardas afirmaram não terem ouvido nada!", afirma com indignação Vicente Jimenez, que perdeu naquele dia a sua mulher e uma das suas filhas.
Uma investigação realizada por peritos, que havia sido pedida pela Comissão Nacional dos Direitos Humanos, concluiu que os disparos eram perfeitamente audíveis do acampamento militar de Majomut, a dois quilômetros dali.
A cumplicidade das autoridades pode ser detectada na paisagem, um mosaico no qual se cotejam grupos zapatistas e militantes do PRI, postos militares, lugarejos católicos e evangélicos. As famílias das vítimas e aquelas dos carrascos utilizam a mesma estrada.
Obstrução da justiça
Além disso, os dois lados estão clamando por justiça. O Estado mexicano é responsável "por ação, por omissão, e porque ele retardou ou obstruiu a ação da justiça", conforme acusam o antigo bispo de San Cristobal, Samuel Ruiz, e o seu antigo assessor Raul Vera, bispo de Saltillo.
Entre seus adversários, os advogados das 80 pessoas que ainda estão encarceradas por conta do massacre garantem que a maior parte de seus clientes são inocentes e que eles caíram na armadilha montada por um aparelho judiciário que estava à procura de bodes-expiatórios.
A polêmica foi novamente atiçada com a publicação pela revista "Nexos", de três extensos artigos a respeito de Acteal de autoria do escritor Hector Aguilar Camin. Ele sustenta a tese, até então inédita, de que teria havido uma "batalha" entre paramilitares e zapatistas, a qual teria degenerado no massacre dos civis.
Enquanto a direita se diz satisfeita por ver "o dogma ser desmontado", a esquerda zapatista mostra-se preocupada, por temer que esta ofensiva em torno da memória esteja preparando uma outra - desta vez, contra as suas próprias comunidades.
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