Estudante cristão morre depois de ser torturado

Portas Abertas • 12 mai 2004


A polícia paquistanesa da província central do Punjab deteve com relutância um clérigo muçulmano na semana passada, depois que um estudante universitário cristão foi barbaramente espancado e torturado numa madrassa (seminário muçulmano) local e morreu em conseqüência dos ferimentos.

O líder muçulmano Ghulam Rasool foi detido na delegacia de polícia de Toba Tek Singh, ao meio dia de 2 de maio, cerca de dez horas após a morte do jovem Javed Anjum, de 19 anos, num hospital de Faisalabad.

Apesar das tentativas para conseguir a libertação do clérigo no sábado, 8 de maio, e novamente na segunda- feira, perante os magistrados judiciais, ele permanece sob custódia temporária. Na audiência de sábado, o advogado da família de Javed persuadiu a corte a incluir a declaração da vítima no leito de morte registrada pela polícia, no dia 26 de abril, no Boletim de Ocorrência sobre o caso.

Hoje, o juiz Qamar Zaman Khoker ordenou que Ghulam permaneça detido por mais dois dias, para dar o prazo à polícia até o dia 12 de maio para recuperar mais evidências e deter outros dois suspeitos do crime.

A polícia está tentando cooperar conosco, disse à Portas Abertas um cristão local que acompanha o caso, mas a questão é política. O governo não quer que maulvis (líderes muçulmanos de oração) sejam detidos. Maulvis detidos podem prejudicar as relações com o poderoso bloco extremista do eleitorado muçulmano, disse o porta-voz.

Na semana passada, o ministro-chefe do Punjab, Pervaiz Elahi, admitiu que, apesar dos líderes religiosos muçulmanos terem sido detidos no passado, o governo atual não acreditou nessa ação extrema. Temos de mostrar harmonia e unidade sectária em nossa hierarquia para dissipar a impressão de intolerância sobre o islamismo, teria dito Pervaiz, segundo a edição de 6 de maio de um jornal, Ghulam foi identificado como um líder de oração e guardião da madrassa Jamia Hassan Bin Murtaza, do vilarejo de Tarandi, perto de Toba Tek Singh, onde Javed foi torturado durante cinco dias. O chefe da madrassa, o líder Ghulam Murtaza Shah, foi identificado por Javed como um de seus torturadores.

No leito de morte no hospital, Javed declarou em depoimento formal à polícia que foi torturado especialmente porque se recusou a se converter ao islamismo. De acordo com seu depoimento gravado em fita de vídeo pela família, Javed fora agarrado por pessoas da madrassa quando parou para beber água no bebedouro da escola.

Quando souberam que ele era cristão, pressionaram-no de noite até de manhã para convertê-lo ao islamismo. Ao resistir, disse ele, foi submetido a formas bárbaras de tortura.

Seus maus tratos incluíram repetidos choques elétricos nos ouvidos, o braço direito e dedos quebrados, algumas unhas arrancadas, queimaduras na pele, graves espancamentos nos pés e sérias lesões nos rins e na bexiga. Sabe-se que 26 ferimentos foram encontrados em seu corpo no relatório oficial post-mortem, emitido no dia 6 de maio.

Javed disse que foi forçado a repetir, sob tortura, as palavras do credo muçulmano, um ato que, de acordo com a lei islâmica, constitui-se em conversão ao islamismo. Mas ele disse à sua família que não havia renunciado à fé cristã.

No terceiro ano de estudos em comércio no Colégio do Governo de Quetta, Javed era o terceiro de seis filhos.

Ele desapareceu no dia 17 de abril, quando viajava de Toba Tek Singh para a casa do avô em Gojra. Seu pai chegou rapidamente de Quetta para informar à polícia o seu desaparecimento, colocou uma notícia na TV a cabo e vasculhou a área.

No dia 22 de abril, representantes da madrassa levaram Javed à polícia, alegando que o haviam pego tentando furtar a bomba de água da escola. Mas o estado dele era tão crítico que a polícia recusou-se a ficar com ele em custódia e pediu que sua família o levasse a um hospital local.

Em dois dias, os dois rins do jovem estavam falhando, e os médicos ordenaram que ele fosse transferido para o Hospital Aliado de Faisalabad. Apesar de repetidos tratamentos de diálise e terapia intensiva, ele morreu no dia 2 de maio, onze dias depois de hospitalizado.

De acordo com uma reportagem de 30 de abril do jornal Dawn, o diretor da madrassa disse a um oficial do distrito que Javed era um viciado em drogas, e que havia confessado roubar para comprar narcóticos.

Quando uma equipe de investigação do Centro de Lahore para Assistência Legal e Conciliação visitou a delegacia de polícia de Toba Tek Singh, no dia seguinte à morte de Javed, o chefe de polícia, Mohammad Anwar ul-Haq declarou que os agressores acusados não o haviam espancado com a intenção de matá-lo.

Desde que Javed havia ido à madrassa propositadamente com a intenção de roubar e o pessoal da madrassa o pegou no ato, raciocinou o chefe de polícia, foi a vontade de Deus que ele tivesse de morrer dessa forma.

Toda esta atmosfera de intolerância contra os não muçulmanos está sendo criada pelo currículo, disse à Portas Abertas um clérigo cristão que estava presente no funeral de Javed. Acabamos de fazer um estudo sobre os últimos livros publicados pelo governo, e eles são mais islâmicos, mais fanáticos do que nunca.

Nos últimos dois anos, o presidente do Paquistão, Pervez Musharraf tem declarado que as escolas islâmicas que fomentam ensinos que provoquem divisões sectárias devem ser forçadas a revisar seus cursos ou enfrentar o fechamento.

O ministro dos assuntos religiosos, Mohammed Ejaz ul-Haq declarou numa cerimônia de uma madrassa, em Taxila, que a propaganda ocidental contra as madrassas não tem fundamento e deve ser rebatida. Citado no jornal Daily Times de hoje (10/5), ul-Haq alegou que os livros-texto errôneos acusados de promoverem a intolerância e a violência entre os estudantes das madrassas foram retirados do mercado, e os que os prepararam seriam julgados e punidos.

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