Portas Abertas • 13 mai 2004
Nigéria, a mais populosa nação da África, tem sido agitada pela violência religiosa e étnica há quase uma década. Recentemente, os líderes cristãos foram confrontados com outro assunto polêmico: o que constitui um programa religioso aceitável para a TV e o rádio.
A partir de 30 de abril, a Comissão Nacional de Radiodifusão (CNR) do governo nigeriano proibiu programas de rádio e televisão que mostrem curas e outros tipos de milagres. A ação provocou um forte debate entre os líderes eclesiásticos a respeito da liberdade religiosa e ética na evangelização.
Ultimamente, os programas religiosos não estão moldados de acordo com o código da CNR, disse o Dr. Silas Yisa, diretor geral da CNR, quando anunciou a proibição. De acordo com o funcionário da CNR, uma tendência recente na radiodifusão religiosa criou um problema de credibilidade para alguém que seja novo na fé ou a alguém que não pertença a essa crença.
O código de radiodifusão da Nigéria determina que a radiodifusão religiosa não seja apresentada de forma a enganar o público e proíbe o uso de expressões como mágico, milagre ou milagroso.
A proibição afeta quinze estações de televisão que levam ao ar, diariamente, programas cristãos a uma audiência potencial de oitenta milhões de telespectadores, além de um número desconhecido de estações de rádio que chegam a vários milhões de ouvintes.
Posição dividida
A liderança da comunidade cristã da Nigéria ficou dividida em sua posição sobre a proibição. Os líderes da igreja pentecostal e carismática que usam tanto o rádio como a televisão como meios de evangelização compreenderam a medida.
A proibição é contra nossa liberdade de culto, disse Sunday Peters, pastor da Igreja Família Real de Lagos. Os milagres são a prova da nossa fé e de que Jesus está vivo. Os milagres na TV dão esperança aos desesperados.
O que tem o governo federal contra os milagres mostrados na TV? disse o Pastor Femi Emmanuel, da Capela Fonte Viva, numa entrevista à imprensa no dia 3 de maio. É incrível que enquanto a nação está atualmente lutando para superar o dilema da sharia (a lei islâmica), outra crise religiosa esteja sendo provocada com a sanção a programas cristãos.
Entretanto, alguns clérigos de igrejas históricas manifestaram apoio à norma da comissão de radiodifusão. Se a CNR pode ater-se firmemente à lei, restringirá toda esta tolice, disse às Portas Abertas o cardeal Olubunmi Okogie, arcebispo de Lagos da Igreja Católica Romana.
A maior parte desses milagres são fraude, acrescentou ele. Essas pessoas têm enganado o povo e destruído a consciência das pessoas. Suas ações não têm nada a ver com a propagação da fé. Eles estão antes destruindo a fé.
O Dr. Sunday Mbang, da Igreja Metodista Nigeriana observou que alguns pregadores na TV falam muito em milagres apenas para conseguirem publicidade e dinheiro fáceis. Por que eles não nos deixam gastar tempo tentando fazer com que cristãos sejam de acordo com o coração de Deus? O que tem a ver os milagres em fazer os cristãos boas pessoas? perguntou ele.
Violência em protesto
Enquanto isso, líderes cristãos do Estado de Kaduna, ao norte, tiveram baixas da Comissão de Paz e Reconciliação, organizada pelo governo, em protesto contra os contínuos ataques aos cristãos por militantes muçulmanos. A ação veio logo depois que dez igrejas foram completamente destruídas em incêndios por militantes muçulmanos, na cidade de Makarfi, depois das alegações de que um jovem cristão com problemas mentais profanou um exemplar do Alcorão.
Não podemos mais acreditar num governo que não dá exemplo, disse o Dr. Sam Kuhiyat, vice-presidente do capítulo estadual da Associação Cristã da Nigéria (ACN), ao explicar a decisão. Fomos informados que os autores de violência neste Estado enfrentariam a lei, contudo, nem uma só pessoa detida foi levada perante qualquer tribunal de justiça nestes últimos quatro anos. A violência contra os cristãos não cessou, e nossas igrejas permanecem como alvos de militantes muçulmanos, disse Sam.
O governo de Kaduna instituiu a Comissão de Paz e Reconciliação há quatro anos, depois que conflitos religiosos mataram mais de dez mil pessoas e destruíram propriedades avaliadas em mais de trezentos milhões de dólares.
A violência muçulmana-cristã continua na Nigéria. No domingo de Páscoa, militantes muçulmanos atacaram os vilarejos de Jenku e Ruwan-Doka, no vizinho Estado de Plateau. Eles mataram três cristãos, feriram vários outros e incendiaram casas. Os mortos identificados foram: Jinfa Joseph, Longfa Dodip e Remi Gotip.
Em resposta ao protesto dos líderes cristãos em Kaduna, o vice-governador Stephen Shekari convocou uma reunião entre muçulmanos, cristãos e líderes do governo no dia 3 de maio, esperando chegar a um acordo que trouxesse paz ao Estado. Ainda não foram anunciados detalhes sobre o resultado da reunião realizada a portas fechadas.
O bispo anglicano, Dr. Josiah Idowu-Fearon, disse à Portas Abertas que o Estado de Kaduna está sob agitação religiosa há quinze dias. Os cristãos constituem 40% de uma população de 3,9 milhões de habitantes.
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