A violência contra mulheres no conflito armado da Colômbia

Apesar do fim do conflito armado na Colômbia, a violência é uma realidade no país e as mulheres, em particular, continuam a enfrentar intensa pressão

Portas Abertas • 3 dez 2018


Menina indígena da Colômbia (foto representativa)

Menina indígena da Colômbia (foto representativa)

Dois anos se passaram desde que o acordo de paz de 2016 foi firmado entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), para encerrar 60 anos de um dos conflitos armados mais violentos e implacáveis da América Latina.

Porém, seis décadas de luta não são facilmente eliminadas em apenas dois anos. O país ainda enfrenta as consequências de tudo o que esse conflito provocou: violência, confronto, corrupção e tráfico de drogas.

E, enquanto o desarmamento aconteceu, em algumas áreas do país onde as forças do governo estão ausentes, grupos rebeldes, paramilitares e organizações criminosas ainda existem e exercem um controle quase total.

Um relatório publicado recentemente, em outubro de 2018, pelo departamento de pesquisa da Portas Abertas, World Watch Research Unit, destaca a situação das mulheres colombianas neste contexto, explicando que o problema do abuso sexual e do assédio foi exacerbado pelo conflito armado e pelos altos níveis de criminalidade.

O relatório afirma que o uso de violência sexual e baseada em gênero durante o conflito armado na Colômbia tem sido “extenso e estratégico”. Refere-se à avaliação feita pelo Tribunal Constitucional colombiano, apoiada pelo Relator Especial da ONU sobre Violência contra a Mulher e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que declarou que o uso da violência sexual, particularmente, mas não exclusivamente, contra as mulheres e meninas é uma “prática habitual, prolongada, sistemática e invisível no conflito armado colombiano”.

Violência contra as mulheres como arma de guerra

No contexto de um conflito armado, a violência baseada no gênero se torna uma arma contra o inimigo. “Torna-se um meio de aterrorizar, humilhar, perseguir, subjugar, controlar e possivelmente deslocar comunidades consideradas inimigas. É usada como tortura, punição, aplicação de regras e vingança”, diz o relatório.

Estes ataques a mulheres e meninas são uma afronta indireta às suas famílias e comunidades inteiras. “Ataques frequentemente ocorrem na frente de maridos, pais, filhos e outros familiares ou membros da comunidade. As mulheres podem ser atacadas por estarem associadas ao inimigo ou a uma comunidade resistente, ou por tentarem proteger seus filhos do recrutamento”, explica o relatório.

Segundo este relatório, cada um dos grupos participantes do conflito colombiano usou a violência sexual contra as mulheres de diferentes maneiras. “Sabe-se que grupos guerrilheiros como as FARC recrutaram meninas para seus postos, muitas vezes de origem pobre ou abusiva, prometendo-lhes um bom salário, apenas para usá-las para a escravidão sexual e para usar a violência sexual para recrutar garotas como combatentes”, explica o relatório. De fato, 40% dos membros das FARC eram mulheres.

O testemunho de Sara, uma ex-combatente, é muito eloquente: “Eles roubam sua família. Eles fazem você viver uma vida que você não escolheu. Eles trocam uma boneca por um rifle, um playground por um campo de batalha e eles abusam sexualmente de você. Essas violações prejudicam sua alma. Nem um único dia se passa que você não se lembre desses momentos”, ela conta.

O relatório também acrescenta que as FARC “forçaram mulheres e meninas a usarem formas contraceptivas nocivas e a abortarem até oito meses de gravidez”.

A violência em estatísticas sombrias

O relatório descreve o impacto da violência sexual nas vítimas e suas famílias como “imensurável”. Ele fornece números surpreendentes, frutos de uma pesquisa realizada entre 2001 e 2009 pela campanha “Estupro e outras violências: deixe meu corpo fora da guerra”, uma parceria de um grupo de mulheres colombianas e organizações de direitos humanos lançada em 2009 para levantar conscientização sobre a violência sexual no contexto do conflito armado colombiano.

De acordo com a pesquisa, estima-se que durante esses nove anos, um total de 12.809 mulheres foram vítimas de estupro por grupos armados e 1.970 por membros das forças armadas do Estado; 1.575 mulheres haviam sido forçadas à prostituição por grupos armados e 986 por forças armadas do Estado; 4.415 haviam forçado gravidezes perpetradas por grupos armados e 987 por forças do Estado; 1.810 tiveram abortos forçados por grupos armados e 987 por membros das forças armadas do Estado e 987 mulheres foram esterilizadas à força pelas forças armadas do Estado.

Violação da lei e impunidade

Existe um conjunto de leis humanitárias internacionais que condenam todas as formas de violência sexual durante conflitos armados em qualquer parte do mundo. De acordo com a lei, os estados têm o dever legal de processar a violência sexual, seja cometida por atores estatais ou não estatais e em conflitos internacionais ou não internacionais.

A organização internacional Oxfam, em um relatório de 2009 citado no documento da World Watch Research, oferece um relato detalhado do que a Relatora Especial da ONU descobriu na Colômbia em 2001 sobre a situação das mulheres combatentes durante a guerra armada do país.

O que a ONU identificou foi “a existência de escravidão sexual, escravidão doméstica, estupro, mutilação sexual, abuso sexual e violação dos direitos reprodutivos das mulheres combatentes, como contracepção forçada e esterilização”.

Outros achados observados incluíam “as limitações territoriais impostas à liberdade de movimento das mulheres, a imposição de toques de recolher para elas, o estabelecimento de códigos rigorosos de conduta social, que incluíam restrições às roupas das mulheres e estabeleciam punições pelo descumprimento, por ‘má conduta’”.

O relatório da World Watch Research também transmite as conclusões que outra organização internacional fez na Colômbia em 2004, sobre a violência baseada em gênero contra as mulheres: “A Anistia Internacional ampliou essa lista para incluir mutilação genital, exploração sexual, sequestros para forçar as mulheres a prestar serviços sexuais a membros de grupos armados e fazer cumprir o aborto ou o uso de contraceptivos”.

Velha e nova: a mesma violência

Organizações internacionais, como as Nações Unidas, apontaram para a inter-relação entre conflito armado, atividades comerciais ilegais e violência contra meninas e mulheres.

A desmobilização de grupos paramilitares e guerrilheiros não significou o fim da violência como tal. Pelo contrário, várias fontes são citadas no relatório da Portas Abertas dizendo, por exemplo, que “novos grupos criminosos da região, conhecidos genericamente como 'bacrim' (bandidos criminosos)” emergiram e implantaram “táticas de intimidação, terror, limpeza social e violência sexual para evitar problemas ao status quo”.

Outra fonte citada explica que “como consequência direta da cultura de violência e pobreza resultante do conflito armado, estima-se que entre 20.000 e 35.000 crianças tenham sido forçadas ao trabalho sexual comercial”.

O conflito pode ter terminado, mas a cultura da violência continua. Muitos ex-combatentes já se juntaram a gangues criminosas ou formaram novos grupos. São homens que voltam para casa traumatizados por anos de combate. E, como afirma o relatório da Portas Abertas, “o acréscimo de ex-combatentes brutalizados pelo conflito e acostumados a controlar as populações locais só pode significar mais violência para mulheres e meninas, e mais medo e devastação para suas famílias”.

Leia também
O verdadeiro preço de seguir a Cristo na Colômbia
Pastores evangelizam na selva em meio às guerrilhas

Sobre nós

A Portas Abertas é uma organização cristã internacional e interdenominacional, fundada pelo Irmão André, em 1955. Hoje, atua em mais de 60 países apoiando cristãos perseguidos por causa da fé em Jesus.

Facebook
Instagram
YouTube

© 2024 Todos os direitos reservados

Home
Lista mundial
Doe
Fale conosco