Portas Abertas • 23 out 2016
Segundo estatísticas atuais, metade dos cristãos que restaram no Iraque (cerca de 250 mil) estão vivendo deslocados. Um deles é Amer*, que nasceu e viveu em Mossul antes da invasão do Estado Islâmico (EI). “Antes mesmo da chegada dos jihadistas, eu já havia presenciado grandes mudanças em minha cidade. A simples presença de um cristão passou a ser algo inaceitável para a maioria dos muçulmanos que estavam adotando uma linha religiosa extremista”, conta ele.
Amer que sempre amou música, trabalhou com venda instrumentos musicais desde sua juventude. “Até a música em si era algo mais aceito pela comunidade, mas com o passar do tempo, a atmosfera foi se tornando sombria e não havia mais espaço para melodias. Não era a aparência da cidade que estava mudando, mas os corações das pessoas”, disse.
Segundo ele, não há como saber o que fez as pessoas aceitarem com simpatia a presença dos muçulmanos extremistas naquela cidade, mas o efeito sobre os cristãos foi algo bastante claro de se ver. “Passamos a ser tratados como estranhos e como cidadãos que não pertenciam mais a Mossul. Logo, líderes da igreja começaram a ser sequestrados e até mortos. Eu mesmo vi muitos irmãos sendo ameaçados de morte caso não retornassem ao islã. A pressão foi crescendo e muitos decidiram partir, até que eles passaram a proibir a venda de nossas próprias casas”, revela. Quando Amer decidiu ficar em Mossul, ele já estava casado e tinha quatro filhos, dois meninos e duas meninas. Embora o ramo musical estivesse em queda, ele abriu uma pequena loja, onde restaurava pianos e outros instrumentos para aqueles que ainda usavam.
Converter ou morrer
Em junho de 2014, enquanto sua esposa e filhos estavam fora da cidade, durante as férias de verão, a pressão sobre os cristãos chegou a um clímax. O EI assumiu o controle de Mossul, deixando pouco espaço para a existência de cristãos. “Minha loja estava numa área perigosa, então decidi levar os instrumentos para minha casa e trabalhar com mais segurança”, conta Amer que, na mesma época, teve a casa marcada com um N de nasrani (nazareno em árabe) ou simplesmente “cristão”. Isso espantou sua clientela.
Amer não estava mais seguro e não tinha trabalho suficiente para o sustento da família. As regras islâmicas foram restabelecidas e anúncios foram pregados em toda parte, chamando os cristãos para se converterem ao islã. “A Jizya (imposto islâmico) passou a ser cobrada como um sinal de submissão. Era isso ou a morte, os anúncios eram bem claros. Mas eu não acredito no islã, por isso, preferi deixar minha casa a mentir sobre minha fé”, afirmou.
Esperança e recomeço
O músico conta que teve medo, mas o fato de sua família já estar fora de casa era um alívio. “Minha esposa e meus filhos estavam seguros. Só tive tempo de separar meus documentos pessoais, algum dinheiro e o celular. Entrei no carro e me arrisquei por uma estrada acidentada, não vigiada por eles, e consegui chegar no Curdistão”, conta.
Atualmente, Amer vive com sua família na casa de seu sogro, que também fugiu de Mossul há alguns anos. A situação dele é melhor que a de muitos outros cristãos que tiveram de fugir. Apesar de dormirem em um quarto apertado, eles nunca tiveram que viver em uma tenda com a maioria dos deslocados. “Ouvi dizer que os soldados usam minha casa como uma espécie de hotel. Eles também ficaram com meus instrumentos, mas não tiraram de mim a paixão pela música. Estou reiniciando uma pequena loja aqui em Dohuk, com um pequeno empréstimo que fiz”, acrescenta.
“O futuro é incerto, ainda é difícil encontrar uma luz nessa escuridão. Para mim, paz e democracia é viver em paz com todos os demais. Infelizmente, nem todos pensam assim, eles acham que democracia é se livrar das pessoas que são diferentes”, reflete. Histórias e posicionamentos como o de Amer não são exceções. Milhares de cristãos trilham o mesmo caminho e têm os mesmos sentimentos. Eles descrevem o futuro como algo “sombrio”, mas afirmam que a esperança em Deus ainda brilha dentro deles, apesar de tudo.
* Nome alterado por motivos de segurança.
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