Portas Abertas • 9 jul 2005
Humanistas e ateístas do oriente e do ocidente se reúnem em Paris em julho para criar uma plataforma comum contra o que eles vêem como uma ameaça crescente por parte das religiões e dos políticos religiosos aos estados laicos em todo o globo.
Sua reunião, o Congresso Mundial de Humanistas, está agendada para coincidir com 100º aniversário da Lei Francesa de Separação da Religião e Estado, um documento-chave que fez da França, ao lado dos Estados Unidos, um reduto do secularismo.
"Com a sociedade americana escorregando em direção a uma teocracia, e com o aumento do credo religioso - até do fundamentalismo - em cada continente, nós temos que tomar uma posição", diz Roy Brown, presidente da União Internacional Ética e Humanitária (IHEU).
A IHEU, que está organizando o congresso junto com os livre-pensadores franceses, é uma organização global para humanistas, laicos e ateístas e possui 95 organizações em 35 países.
"A separação da religião do estado, o tema do Congresso, é uma questão crucial para a liberdade de consciência em todos os lugares", disse Babu Gogineni, diretor executivo da Índia.
"Durante as últimas décadas temos visto uma lenta intrusão da religião na vida pública em países como Índia, Nigéria, Rússia, Eslováquia, Paquistão e Bangladesh, bem como na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos".
Humanistas europeus foram chacoalhados com o que muitos chamam de "loucura da mídia" em relação à morte da Papa João Paulo II.
Em protestos a jornais e redes de televisão, eles argumentaram que a cobertura saturada de seu funeral - e a inauguração do seu sucessor - chegaram a ser uma propaganda gratuita para o catolicismo às custas do pensamento racional.
Os humanistas notam que seu sucessor, Papa Bento XVI, declarou que o esclarecimento é "um dos grandes demônios que fizeram cair a raça humana" e prometeu lutar contra o secularismo.
Do outro lado do Atlântico, os humanistas dos EUA e os ateístas vêem os fundamentalistas cristãos voltando com o presidente George W. Bush, e estendendo suas influências nas escolas, laboratórios de ciências e até em museus famosos.
Eles dizem que isso é uma ameaça à harmonia social, afirmando que as religiões não estão apenas contra os que não crêem, mas também uma contra a outra. "Certamente estamos no extremo do partidarismo religioso", escreveu Paul Kurtz, editor do jornal "Free Inquiry" (Livre Investigação).
Numa Grã-Bretanha amplamente cética, dizem os humanistas, a guerra do Iraque de Bush permitiu a Tony Blair - o primeiro ministro mais evidentemente religioso há um século - promover escolas de "fé", permitindo que alguns ensinem que a teoria de Charles Darwin (o evolucionismo) está errada e que o universo e tudo o mais que está nele foram criados por um deus todo-poderoso.
Na África, o humanismo é relativamente novo, apesar de que alguns pensadores e escritores em evidência são seus partidários.
Mas Leo Igwe, secretário executivo do Movimento Humanista na Nigéria, diz que os que não professam uma fé ali "enfrentam exclusão sistemática, discriminação e o abuso dos direitos humanos (...) já que os fanáticos cristãos e muçulmanos lutam por poder e influência. A fundação laica da Nigéria tem sido virtualmente erodida e todo o país tem sido atirado em uma escuridão social, política, intelectual e moral", disse ele a Reuters.
Em muitas partes da África, de acordo com o trimestral de Londres "Focus on Africa" (Foco na África), movimentos cristãos evangélicos patrocinados pelos EUA estão adentrando lentamente nas igrejas católicas e episcopais - como estão fazendo na América Latina.
"Isso não é tanto o colonialismo na terra, é mais o colonialismo da mente", Kwame Okonor, chefe do Instituto de Desenvolvimento Africano, disse à revista.
Em uma Índia formalmente laica, com suas comunidades muçulmanas e hindus sempre em guerra, diz Innaiah Narisetti da Associação Humanista Radical, os líderes do governo exibem figuras religiosas, envolvendo-os nas cerimônias do estado.
Até a administração comunista no poder de alguns estados - como Kerala - patrocinam financeiramente cerimônias religiosas, dizendo que elas ajudam a promover o turismo, diz Innaiah.
Na Rússia, que sob o governo da velha União Soviética manteve a religião sob estrito controle, a Igreja Ortodoxa tem sido anexada ao novo sistema, dizem os humanistas.
O patriarca Alexy, chefe da Igreja, freqüentemente aparece ao lado do presidente Vladimir Putin que louva, ele próprio, a herança cristã do país. Aulas sobre os princípios da ortodoxia, incluindo orações, são agora ensinadas nas escolas do estado.
Valery Kuvakin, presidente da Sociedade Humanista Russa e professor de filosofia na Universidade de Moscou diz que sua organização está fazendo campanha para ter um humanismo introduzido como uma escolha alternativa, mas até agora não tiveram sucesso.
Em alguns países islâmicos, não-crentes são banidos como apóstatas e em muitos lugares podem enfrentar uma perseguição oficial e até a morte, diz Ibn Warraq, criado como um muçulmano na Índia, e escritor sobre religião no Oriente Médio e na Ásia.
Como resultado, os humanistas têm de manter seu ponto de vista em segredo ou então se encontrarão como alvos por "blasfêmia" e terminarão na prisão ou terão que fugir para o exterior.
No Iraque, sob o ex-presidente Saddam Hussein e seus sucessores imediatos, o estado era amplamente laico, permitindo pouco espaço para que líderes religiosos muçulmanos exercessem influência, em contraste a muitos de seus vizinhos.
Dois anos depois da invasão dos EUA para derrubar Saddam, uma administração xiita ocupou o poder em Bagdá, enquanto no Irã um radical islâmico acabou de ganhar a presidência.
Todas essas questões estão na agenda da conferência de Paris, com sessões na Unesco e na Universidade de Sorbonne.
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