Portas Abertas • 3 mar 2008
O mais alto tribunal administrativo do Egito legislou em favor de 12 cristãos que tinham se convertido ao islamismo que queriam retornar ao cristianismo. A decisão, porém, deixou o grupo vulnerável à discriminação, uma vez que exige que os cristãos declarem sua antiga fé em seus documentos.
Em sua decisão no sábado dia 9 de fevereiro, o juiz El-Sayeed Noufal, determinou que o Ministério Egípcio para Assuntos Nacionais expedisse os documentos dos cristãos declarando o status de ex-muçulmanos.
“Todo cidadão deveria ter um documento confirmando seu status religioso, mencionar a religião de uma pessoa é muito importante para expressar no que aquela pessoa acredita”, disse o juiz em sua sentença.
Os ativistas de direitos humanos anunciaram a decisão como sendo um progresso para a liberdade religiosa no Egito, onde apesar de não ser ilegal se converter a outra religião (que não a islâmica), na prática, acaba sendo proibido.
Apesar disso, os cristãos continuam cautelosos e dizem que declarar a antiga religião nos documentos pode deixar as pessoas vulneráveis à discriminação.
“É óbvio que ter um ‘ex-muçulmano’ em sua identidade é um estigma”, disse um representante da Iniciativa Egípcia pelos Direitos Pessoais (EIPR, em inglês) ao Compass.
Sharia e o caso Mohammed Hegazy
Na semana anterior à decisão, um tribunal administrativo sentenciou contra um muçulmano convertido ao cristianismo que queria ter a anotação em sua identidade alterada.
A sentença de 29 de janeiro indeferiu o pedido de Mohammed Hegazy sob o argumento de que era contra a sharia, a lei islâmica, se converter para qualquer outra religião (leia mais).
Todas as escolas muçulmanas do Egito concordam que a sharia, reproduzida no artigo 2 da Constituição egípcia, proíbe claramente que alguém se converta a outra religião, deixando o islã, informou o representante da EIPR ao Compass.
Mas o porta-voz da EIPR, cuja organização entrou no caso ao lado dos convertidos, disse que a sentença de sábado não foi sobre apostasia.
“Simplesmente, o Estado reconheceu o fato de essas pessoas já terem se convertido novamente ao cristianismo e de a igreja já os ter recebido de volta”, disse o porta-voz.
“Então, por um lado, não era o caso de uma pessoa que queria deixar o islã e ir para o cristianismo. Era simplesmente reconhecer algo que já tinha acontecido”, explicou.
Status religioso nos documentos
Em sua decisão, no sábado, o juiz El-Sayeed argumentou que era importante que os documentos oficiais informassem a antiga religião de uma pessoa, disse um advogado presente na audiência.
O juiz disse que a nova carteira de identidade dos convertidos deveria declarar que eles são ‘ex-muçulmanos’ para proteger a ordem pública, informou o advogado especializado em direitos humanos, Athanasius William.
“A anotação na carteira impediria que o ex-muçulmano, por exemplo, de tentar se casar com uma mulher muçulmana”, comentou o juiz.
O direito de família egípcio, governado pela sharia, proíbe um homem cristão de se casar com uma mulher muçulmana.
Pena de morte
Várias interpretações oficiais da sharia no Egito determinam pena de morte para aqueles que deixam o islã.
“Isso abre portas para a discriminação contra os cidadãos por parte de oficiais extremistas ou servidores civis quando virem que eles deixaram o islã”, disse Gamal Eid, chefe da Rede Árabe pelos direitos humanos à agência de notícias Reuters.
O ativista disse que a organização espera que o ministério egípcio não exponha os convertidos a maiores discriminações declarando sua antiga fé em suas carteiras de identidade.
O padre Markus Aziz, ativista pelos direitos dos coptas, pediu para que o governo não declarasse as antigas religiões nas carteiras de identidade, argumentando que o documento não tem o propósito de prestar contas do passado de uma pessoa, relatou ao organização Coptas Unidos.
Direito de família
A questão da conversão no Egito é delicada, em parte porque a religião, que é declarada na carteira de identidade, governa o direito de família.
Vários convertidos que agora retornam a sua religião original se tornaram muçulmanos para poderem se divorciar (o que não é permitido pela Igreja Ortodoxa), ou para se casar com uma mulher muçulmana.
Entre os anos de 2004 e 2007, 32 muçulmanos ganharam na justiça o direito de voltarem ao cristianismo. Mas em abril de 2007, um tribunal comum negou a 12 ex-cristãos o direito de retornarem a sua antiga fé, situação que fez com que se questionasse se o avanço dos três anos seria prejudicado.
Centenas de casos similares de muçulmanos convertidos que desejam voltar para o cristianismo estão pendentes nos tribunais comuns, disseram advogados cristãos ao Compass.
Estima-se que os cristãos egípcios, conhecidos como coptas, representem 10% da população do país. A maioria dos coptas pertence à Igreja Ortodoxa, apesar de católicos e protestantes serem um número expressivo.
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