Portas Abertas • 13 nov 2003
Dois meses depois que Deniz Kasan e Turgay Papakci se casaram perante 200 amigos e parentes na Igreja Presbiteriana de Istambul em 27 de julho último, a esposa foi ao escritório local de população para atualizar seus dados.
Com a confirmação de seu novo estado civil e mudança do sobrenome, a esposa apresentou o pedido de mudança de identidade religiosa de muçulmana para cristã, exatamente como seu marido fizera dois anos antes.
Mas, para surpresa de Kasan, seu pedido foi negado pelo kaymakam de Kadikoy, ou oficial presidente do distrito. Numa nota emitida no mesmo dia, 29 de setembro, o oficial declarou que sua igreja não era reconhecida oficialmente como casa de adoração e assim seu certificado de batismo não poderia ser considerado válido.
Iniciada nove anos atrás, a Igreja Presbiteriana, que cresce sistematicamente, reúne-se no templo da histórica Igreja Anglicana de Todos os Santos, do distrito Moda de Istambul desde fins de 1997. Neste ano ela começou também uma congregação afiliada em Ancara.
Quando a notificação chegou pelo correio até Kasan em 7 de outubro, seu marido viu aquilo com assombro. Junto com vários outros convertidos, ele próprio havia mudado sua identidade religiosa após ser batizado na mesma igreja, onde agora ele servia na assessoria pastoral.
Assim que acertei o teor, meu pedido foi aceito no mesmo dia em que o apresentei, disse Papakci a Portas Abertas. Por isso não posso compreender por que agora estão recusando o direito à minha esposa
Outra cristã nova da igreja, Beyza Gun, de 21 anos, recebeu idêntica recusa na mesma semana.
É ridículo mandar uma notificação dessas aos membros da nossa igreja, declarou o pastor, Rev. Turgay Ucal. Qualquer cidadão turco com mais de 18 anos tem o direito legal de mudar sua filiação religiosa assinando uma simples declaração para esse fim.
Portanto, a congregação de Ucal contratou um advogado local para discutir a recusa aos dois pedidos. Depois de entrar com um processo perante a corte administrativa de Istambul no dia 30 de outubro contra o kaymakam de Kadikoy e o escritório de população, o advogado Erol Dogru disse a Portas Abertas que espera que o caso leve alguns meses para ser resolvido.
Enquanto isso o distrito de Altintepe de Istambul, onde reúnem-se as mais de 70 congregações da Igreja Protestante de Istambul, dois outros cristãos turcos relataram dificuldades idênticas.
Significativamente, em julho de 2000 esta igreja tornou-se a primeira nova congregação protestante a receber a condição de fundação da história da moderna Turquia.
Para Timur Topuz, 29, esta foi a segunda vez que a burocracia impediu seu pedido formal de identidade cristã. Trabalhando agora na indústria têxtil, Topuz pediu uma nova identidade pela primeira vez em 1998, 4 anos depois de converter-se a Cristo.
Após meses de espera, foi-lhe dito que seus pedidos ao escritório de população em Konya, onde ele estava registrado com a família, bem como ao distrito Kadikoy de Istambul, onde ele vive agora, ambos estavam desaparecidos. Os funcionários locais alegaram que não tinham registro de que Topuz alguma vez tivesse solicitado tal mudança.
Assim, três meses atrás, Topuz decidiu tentar novamente. Quando ele foi pegar no dia 17 de setembro seu novo cartão de identidade, recebeu uma notificação por escrito declarando que sua identidade não poderia ser revista da forma como foi solicitada. Citando uma diretriz do Ministério do Interior datada de 14 de outubro de 2002, o escritório ignorou suas objeções e emitiu um novo cartão identificando-o como muçulmano.
Quando indagado se pretendia abrir um processo legal sobre seu pedido negado, Topuz confirmou que sua igreja estava pensando nessa possibilidade. Mas parece que pode ser muito caro, observou ele.
Outro membro da igreja de Altintepe, Emrah Unver, foi verbalmente recusado há dois meses quando foi ao mesmo escritório de Kadikoy. Carpinteiro e fabricante de móveis, Unver disse a Portas Abertas que se tornara cristão há dois anos. Quando Unver, 27, disse aos funcionários que queria mudar sua identidade de muçulmano para cristão, estes lhe disseram que isso não era permitido e recusaram seu pedido.
Já se passou mais de uma década desde que o Estado turco liberalizou suas leis administrativas, tornando uma questão de rotina aos cidadãos muçulmanos que se convertem ao cristianismo mudar sua identidade religiosa oficial. Por isso as tentativas recentes de recusar tais pedidos pegaram de surpresa as 70 ou mais igrejas protestantes do país.
Parece que qualquer um que tenha feito a solicitação nos últimos meses está enfrentando dificuldades, disse um líder protestante turco a Portas Abertas .
Mas pelo lado bom, uma mulher convertida na Igreja Salvação de Ancara manteve-se firme durante seis meses depois que as autoridades administrativas recusaram seu pedido em abril último. Cristã desde 1996, ela finalmente conseguiu seu pedido no mês passado sem entrar com processo legal. Como economista e funcionária do Estado, a mulher foi submetida a muita pressão e demora tanto pela polícia como por funcionários do governo.
Só na polícia de segurança, meu requerimento esteve sob investigação durante dois meses, disse ela a Portas Abertas, e fui convocada muitas vezes à delegacia de polícia ou outros departamentos. No começo fiquei um pouco amedrontada, mas aprendi que temos de ficar firmes contra todas essas pressões e, no fim, os oficiais têm de nos deixar mudar.
De acordo com o advogado Dogru, o centro do problema é que a lei turca não trata da formação ou da situação legal de grupos religiosos não-muçulmanos, além das tradicionais instituições étnicas de seus cidadãos armênios, gregos e judeus.
Atitude política
A lei turca não define isso de forma adequada, disse Dogru. Mas num país secular, a constituição e as leis devem abordar todos os grupos religiosos de forma igual. Aqui a polícia está dizendo que esta igreja não é suficientemente legal. Mas quem irá esclarecer isso? Neste exato momento não existe definição do que é oficial . Desde que outros membros da Igreja Presbiteriana de Istambul mudaram anteriormente suas identidades religiosas sem incidente, disse ele, as recusas recentes parecem estar baseadas numa atitude política, possivelmente reagindo ao pretexto contra os cristãos que fazem trabalho missionário na Turquia. Mas sob o ponto de vista legal, essa recusa absolutamente não pode ser aceita, concluiu ele.
Acredita-se que várias centenas de turcos que se tornaram cristãos mudaram de identidade oficial de acordo com as leis seculares do país nos últimos 15 anos, apesar de não haver estatísticas disponíveis.
Sem dúvida, comentou Dogru, as lei da Turquia e a Constituição garantem a liberdade de religião. Mas para conseguir isso, nossos cidadãos têm de lutar nos tribunais.
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