Portas Abertas • 4 fev 2004
No início de janeiro de 2004, o governo vietnamita fez um importante gesto com respeito à liberdade religiosa. O senador Sam Brownback, presidente do Subcomitê de Relações com o Extremo Oriente e Oceania do Senado Americano, permitiu a visita ao líder cristão Thadeus Nguyen Van Ly na prisão em que ele se encontra.
Em outubro de 2001, Ly foi sentenciado a quinze anos de cadeia por pedir ao governo a liberdade de religião e ter de volta todas as propriedades religiosas que foram confiscadas. O senador Brownback foi o primeiro ocidental a ver Ly desde que ele foi preso. Este encontro proporcionou um início de esperança de que o governo vietnamita possa se postar à uma direção positiva sobre este caso.
Este gesto de boa vontade pelo governo não foi o único no ano passado. Em abril de 2003, depois de vinte anos de prisão em sua pagoda, o Patriarca Supremo de oitenta e cinco anos da banida Igreja Budista Unida (UBVC), o Thich Hnueynb Quang, teve a permissão de procurar assistência médica em Hanoi. Durante o tempo em que passou na capital vietnamita, ele recebeu a visita do premier Phan Van Khai, que adimitiu que oficiais tinham cometido um engano ao deter Quang e também Thich Quang Do, Presidente Executivo da UBVC. O premier pediu ao Patriarca Supremo o perdão pelos atos do governo no passado. No mesmo mês, o governo permitiu a delegação do Parlamento Europeu e o embaixador do Estados Unidos visitar o Patriarca em ocasiões diferentes.
Entretanto, somente alguns meses depois dos acontecimentos de abril de 2003, o governo voltou às suas práticas de costume de perseguição e repressão. Em setembro, a sobrinha de Ly e dois sobrinhos foram sentenciados pela Corte Municipal de Ho Chi Minh por cinco anos de prisão por abusar dos direitos da democracia contra os interesses nacionais. Eles foram punidos por enviar informações sobre as condições dos direitos humanos no Vietnã para uma organização de liberdade religiosa americana-vietnamita e também para um rádio vietnamita no sul da Califórnia.
Em outubro, membros locais do governo não permitiram o patriarca da UBCV e Thich Quang Do de irem a Ho Chi Minh para um encontro com outras personalidades da UBCV para a selecionar a próxima geração de líderes desta entidade. Três monges da UBCV que estiveram neste encontro foram depois presos e sentenciados a dois anos de prisão domiciliar, acusados de violarem a lei de segurança nacional. Enquanto isso, o Patriarca e Thich Quang Do foram sentenciados sob prisão domiciliar em suas respectivas pagodas.
Explicando a decisão de deter os cinco monges da UBCV, um porta voz do Ministério das Relações Exteriores do Vietnã foi citado pela Associated Press em assumir que um número de pessoas incluindo Dang Phuc Tue, Thich Quang Do, Le Dihn Hhan, Thich Huyen Quang, e alguns outros elementos tinham usado o pretexto de liberdade religiosa para realizar seus movimentos políticos e ambições pessoais, consequentemente minando o grande bloco budista. Organizações jurídicas estão lidando com esses indivíduos de acordo com estipulações da lei baseado em provas coletadas e no comportamento dessas pessoas.
Desde então, condições para a liberdade religiosa não têm melhorado. Quase todas as mais de quatrocentas congregações protestantes Montagnard no interior do país continuam impedidas de atuarem. Enquanto isso, a linha dura do governo com os Portestantes Hmong no noroeste continua inquieta. De acordo com o Centro de Liberdade Religiosa a polícia local destruiu igrejas em quatro vilas hmongs duas semanas antes do natal.
A Polícia local também continua a perseguir igrejas protestantes e seus líderes em Ho Chi Minh. O pastor Bui Van Ba, foi convidado a comparecer no tribunal no dia 13 de janeiro deste ano por resistir à um oficial que estava cumprindo seus deveres depois da políca ter entrado em sua casa interrompendo um culto. Durante este episódio, o pastor e vários outros cristãos presentes naquele local foram agredidos fisicamente enquanto sua esposa maltratada e aponto de desmaiar. O julgamento foi adiado já que este caso deve ter repercussão internacional.
A ambivalência do governo vietnamita sobre as reformas econômicas, abertura ao mundo, e ao custo político e social para o regime, têm sido frequentemente usada para explicar a personalidade Jekyll e Hyde quando se trata de política de direitos humanos. O argumento indica que por outro lado, o governo reconhece a necessidade de dedicar-se na reforma econômica, que envolve estabelecer relacionamentos com os países ocidentais. Junto com essa abertura está a expectativa que outros governos irão criticar o regime por práticas de direitos humanos. Por outro lado, o regime não está preparado para perder o controle político e social. Isso leva a atitudes de boa vontade mas sem quaisquer melhoras substantivas e sistemáticas.
De fato, o regime quer expandir seu controle. Enquanto o premier reconheceu os erros do governo ao Supermo Patriarca da UBCV e permitiu um senador americano visitar um dos dissidentes religioso mais proeminente, o Partido Comunista aprovou uma resolução em janeiro de 2003 reafirmando a intenção do regime em expandir seu controle sobre atividades das organizações religiosas. De acordo com a Comissão Americana de Liberdade Religiosa Internacional, a resolução declarou que o governo tem a obrigação de aumentar a administração estadual em relações religiosas. Também foi em busca de estabelecimentos de células dentro das organizações religiosas sancionadas, incluindo a Igreja Evangélica do Sul que foi reconhecida pelo governo em 2001. Um deputado se gabou que essa foi a primeira vez que um Comitê Central de um partido comunista aceitou esse assunto, que geralmente é delegado à oficiais do governo de baixo escalão, sugerindo uma solução do governo.
Baseando-se neste desejo para o controle está o temor de que as organizações religiosas pudessem ser usadas como veículo para forças tanto nacionais como estrangeiras para desafiar - e até mesmo negar - a supremacia política do Partido Comunista. Esse temor tem base histórica. Até o final da vitória comunista em 1975, organizações religiosas serviram como fontes importantes de mobilização e oposição social e política, tanto no âmbito nacional como local. Algumas organizações religiosas, tais como a budista Hoa Hao e a Cao Dais, até mesmo mantiveram controle militar e político sobre partes do Vietnã. A animosidade entre os Hoa Hao e o Partido Comunista tem uma longa história. Os budistas Hoa Hao alegam que seus fundadores foram assassinados por membros do Partido Comunista na década de 30. Mesmo o regime negando isso, ele continua expressando sua preocupação que grupos religiosos como o próprio Hoa Haos pudessem reavivar seus patrimônios políticos. Entretanto, à medida que o regime atual continua a consolidar seu domínio no país, tais temores não possuem muita base.
Alguns continuam argumentando que a política do regime baseia-se no dogmatismo ideológico. Existe uma certa verdade nisso. Não pode excluir a influência de igeológicos dentro da caixa preta do processo de tomada de decisão vietnamita. Entretanto, seria um engano atribuir a inteira razão fundamental por políticas burocráticas à fatores ideológicos. A razão mais fundamental é que o Vietnã - como todos os regimes autoritários - está preocupado com a sobrevivência e tem demonstrado uma disposição para fazer tudo que é necessário para manter seu poder.
Entretanto, o regime deste país está encontrando cada vez mais dificuldades para implementar e justificar sua atual política de direitos humanos já que almeja a reforma econômica e a abertura do país. A medida que o governo negocia acordos bilaterais com outros países e a medida que investidores estrangeiros rumam ao Vietnã, o regime também têm a obrigação de estar preparado para responder algumas questões muito desagradáveis sobre abusos e repressões. Ironicamente as consequências da decisão política em dedicar-se ao desenvolvimento econômico e na modernização estão voltando para assustar o regime de uma maneira que não foi possível prever.
Ainda assim, os custos em revisar o curso da reforma econômica estão ainda maiores que os custos que acompanharam seu início. Essa é especialmente uma realidade áspera para um regime autoritário que não possui apelo nem ideológico e nem credenciais democráticas. O governo comunista pode obter sua legitimidade política somente a partir de sua habilidade de construir e sustentar a prosperidade econômica. O regime está caminhando à um destino sem volta.
A decisão de incumbir-se com o desenvolvimento econômico têm consequentemente criado outro temor: que o mundo ocidental, em particular os Estados Unidos (atualmente o maior mercado exportador do Vietnã) e a União Européia (segundo maior doador do Vietna), recuse a fazer negócio com o Vietnã pelo fato de que os registros de direitos humanos, e desenvolvimento econômico irão criar barreiras e o regime poderá de fato enfrentar desafios de outras forças políticas e sociais, incluindo organizações religiosas.
Por essa razão, ao mesmo tempo que o governo é violento contra as críticas da União Européia e dos Estados Unidos sobre as práticas de direitos humanos, também envia delegações religiosas aos Estados Unidos para explicar sua política de liberdade religiosa na tentativa de dissuadir membros do congresso americano de adotar medidas legislativas que poderiam descarrilhar a reforma econômica no Vietnã. O governo também convida os oficiais estrangeiros para visitarem o Vietnã para aprenderem a respeito da verdade sobre as condições de liberdade religiosa e ainda impõe pesadas restrições com quem e aonde esses convidados estrangeiros irão visitar na preocupação de que eles descubram a verdade. De fato, como um visitante que esteve recentemente no Vietnã alega, o temor do governo com os estrangeiros parece ser maior do que o temor que os crentes têm com o governo.
O regime vietnamita tem toda a razão de estar temeroso com os interesses estrangeiros, não pelo fato de que os governos de outros países estejam interessados em facilitar a evolução pacífica do sistema político do país. Líderes do governo devem estar temerosos pois precisam de acordo estrangeiro, assistência econômica e social pelos motivos mencionados anteriormente. Ainda assim, por algum motivo, os ocidentais parecem estar mais temerosos que o Vietna adote o isolacionismo caso os estrangeiros venham a se tornar críticos demais em relação ao regime de direitos humanos, consequentemente negando qualquer acesso ao Vietna. Ao invés disso, a falta de uma voz ativa neste assunto simplesmente proporciona ao atual regime mais desculpas por não se comprometer com qualquer reforma política e social como parte de seu programa de modernização.
É por isso que tem sido decepcionante o fato de o governo americano e o da União Européia terem mostrado pouca consistência em promover os direitos humanos, incluindo a liberdade religiosa. Nos Estados Unidos o Departamento do Estado recusou a seguir o mandato do Ato da Liberdade Religiosa Internacional de 1998 por designar o Vietnã como um país de pouca relevância por seu regime de violação para com os direitos humanos. Esse fracasso surge apesar da prova de deterioração das condições de liberdade religiosa no Vietnã desde que o Acordo Bilateral Estados Unidos-Vietnã foi ratificado pelo Congresso americano em 2001 e apesar das próprias conclusões do Departamento do Estado, contidos no Relatório Internacional de Liberdade Religiosa de dezembro de 2003, que as práticas de liberdade religiosa do governo parmeneceram inalteradas e em algumas áreas deterioradas desde o ano anterior. Enquanto isso, na Europa, a não resistência de alguns parlamentares e de algumas Ongs e o silêncio a respeito deste assunto têm sido palpável.
Muitos oficiais do governo, empresários e grupos de desenvolvimento econômico têm argumentado que o aumento das relações econômicas com o mundo irá construir uma estrutura doméstica no Vietnã que é necessária para a proteção aos direitos humanos incluindo a liberdade religiosa e o estabelecimento de um sistema político democrático. Existe uma pequena dúvida de que o desenvolvimento econômico seja importante em trazer prosperidade ao povo de uma sociedade pobre como a do Vietnã, mas só o desenvolvimento não proporciona a proteção dos direitos políticos e da liberdade civil. Experiências recentes de outros regimes autoritários já puseram em descrédito a teoria da modernização - a esperança de que o desenvolvimento econômico irá viabilizar a liberdade democrática.
O que é necessário no Vietnã para assegurar a proteção dos direitos humanos, incluindo a liberdade religiosa, é o esforço consistente tanto da parte do governo como da população como também dos estrangeiros. Os vietnamitas já demonstraram sua coragem e disposição de garantir seus direitos. O mínimo que podemos fazer é apoiá-los.
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